O medo, o receio, a ansiedade, o temor, a apreensão, podem ser considerados como sinónimos de emoções e sentimentos que habitam o mundo interno da criança. Ao pensarmos sobre o medo, são várias as vezes que nos questionamos acerca do seu fundamento, da sua pertinência e da sua realidade nas vivências infantis. Todos nós já contactámos de forma bastante real com “esses” medos das crianças, através de reacções que demonstram medo e receio, como o choro ou o susto, assim como verbalizações que apontam nesse sentido, dizendo-nos muitas vezes “Tenho medo do escuro, fica aqui ao pé de mim…” ou “Tenho medo do bicho mau, deixa-me ir dormir contigo…”. Perante esta realidade, levanta-se a questão de qual a nossa intervenção, ao nível das atitudes e dos comportamentos que nós, enquanto pais e educadores poderemos tomar perante os medos infantis que povoam a vida mental e emocional das nossas crianças. O papel parental, assim como o do profissional, que implica promover e potenciar o crescimento e o desenvolvimento da criança, devem ser complementares e integrativos, no sentido de poderem ajudá-la a crescer de forma o mais harmoniosa possível, e que esta possa aprender a viver com os seus medos e receios típicos da idade. Perante esta realidade, que todos nós, sejamos crianças ou adultos, que continuamos a experienciar a emoção do medo, sabemos de antemão que esta sensação pode ser muito importante quanto à preservação da própria vida, na medida em que é bom que tenhamos medo, tenhamos receio de situações que possam pôr em causa o nosso bem-estar. Mas, também sabemos que, o medo pode-se tornar deveras incapacitante e limitativo quanto à gestão de um quotidiano minimamente adaptado às nossas necessidades. Sendo assim, os medos vulgarmente sentidos durante o nosso crescimento, constituem-se como um acontecimento normal e adaptativo do próprio desenvolvimento. São vários os medos que encontramos ao olhar para as diferentes etapas de desenvolvimento do bebé, da criança, do púbere e do adolescente. Desde o medo do escuro, daquilo que não se vê e não se controla, o medo de animais, como do lobo que morde ou até da pequena abelha que pica, o medo de pessoas estranhas, como o vizinho que se todos os dias vê mas que realmente não se conhece, até ao medo de fantasmas ou bichos papão, enquanto elementos mais fantasmáticos e menos reais, fazem parte integrante da vivência das crianças. Todos eles são formas diferentes de representar o temor que se sente perante o desconhecido, a ameaça e a fantasia da perda da integridade física, o receio que os outros que não se sabe quem são nos possam levar de um lugar de conforto e conhecido, entre outros aspectos.

Deste modo compreende-se que o medo, e a transformação desse sentimento através da identificação de um ser mais real ou até imaginado, ocupem um lugar de importante influência no desenvolvimento do sentimento de segurança da criança perante o mundo que a rodeia, e de acordo com a forma como lhe foi permitido vivenciar e integrar esses mesmos medos. Aí surgem os pais, enquanto elementos fundamentais para que os medos possam apenas ocupar o devido espaço na vida emocional das crianças, estando suficientemente alerta para poderem compreender e ajudar a integrar os medos de forma adequada, de modo a que não se transformem em fobias e ansiedades tais que impeçam a criança de viver e de explorar o mundo em seu redor. Os pais representam a possibilidade real da criança poder sentir-se verdadeiramente segura, protegida, para que possa lidar com estes medos da melhor maneira possível. No entanto, a fobia pode tomar o seu lugar quando o medo consegue ultrapassar as barreiras defensivas da criança, de modo a impedir que as capacidades adaptativas e evolutivas se sobreponham a este. A partir desse momento, por vezes torna-se necessária a intervenção de um profissional, de forma a poder ajudar a criança e também os seus pais, a lidarem com a situação, que pode tomar diversos contornos e, assim, restabelecer o ciclo de vivências familiares e respectivo desenvolvimento.

Isto remete para uma outra questão, que toma a expressão de quando é que se deve (ou não) recorrer a um profissional, tal como um psicólogo clínico orientado para o trabalho com crianças, de forma a poder ajudar os nossos filhos. Será que à mínima manifestação de medo, de temor, de ansiedade que a criança demonstre perante certas situações se deve imediatamente recorrer à ajuda de alguém? Para podermos responder de forma fundamentada a esta questão, que tantas vezes nos assola, há que primeiro olhar para os medos infantis e compreendê-los na sua tipicidade, de acordo com as idades em que ocorrem, e com a sua especificidade, tendo em consideração os contornos que os mesmos assumem. De acordo com as etapas do desenvolvimento infantil, os medos tomam diversas formas e surgem em diferentes contextos, podendo em muitos casos serem influenciados pelo contexto em que se vive. No caso dos bebés, os medos são principalmente manifestados aquando da existência de estímulos demasiado intensos que invadem o espaço já conhecido e de tranquilidade. Quando o bebé já tem mais de 5/6 meses, torna-se natural a expressão de medo perante pessoas ou situações que não são familiares, e que ainda não fazem parte do ciclo das suas vivências. Já por volta dos 2 aos 3 anos de idade, as manifestações do medo são apresentadas com base nos receios de animais, de bichos reais que fazem parte do conhecimento que a criança já construiu do mundo. Geralmente por altura dos 3 anos, começa a manifestar-se o medo do escuro, que se encontra intimamente ligado ao sentimento de solidão e de desamparo naturalmente vivenciado pela criança, que não se encontra permanentemente junto dos seus pais. Conforme se cresce e se desenvolve, a consciência existencial também se vai construindo, aparecendo medos mais concretos face à morte e à perda daqueles que se amam. Assim pode deduzir-se que, de acordo com a forma como a criança vai crescendo e passando pelas diversas etapas do desenvolvimento, os medos vão-se tornar mais relativos, sendo que também se vão discriminando, de uma forma cada vez mais real, entre os perigos que podem acontecer e aqueles que se encontram mais distantes de suceder. A criança começa a compreender os aspectos que dizem respeito à realidade e ao imaginário dos seus próprios medos, mantendo-se esta distinção ao longo do restante desenvolvimento. Aqui o papel parental surge como fulcral, de modo a que as atitudes parentais não só demonstrem atenção e cuidado perante as manifestações comportamentais de medo por parte dos filhos, através da capacidade de os tranquilizar, proteger e assegurar a naturalidade das vivências da criança, evitando assim que um medo natural e adequado se transforme numa ansiedade generalizada, ou numa fobia específica, que impeça uma vivência mais tranquila e integrada por parte da criança. Caso sucedam situações em que o medo se instala de tal forma que se torne incapacitante tanto para a criança como para a restante família, uma intervenção profissional atempada servirá o intuito de poder ajudar a restabelecer a dinâmica interna do desenvolvimento infantil, assim como a dinâmica das relações interpessoais que a criança já construiu e estabeleceu com o mundo em seu redor. A intervenção do psicólogo passa não só por poder trabalhar com “estes” medos internos da criança, assim como com os seus pais e respectivas atitudes face às situações. A intervenção deve fundamentar-se na realidade da criança e de acordo com o seu contexto familiar, pois só assim poderemos ajudar a restabelecer um equilíbrio que, por uma série de razões, ficou comprometido. O papel do profissional será o de potenciar atitudes e posturas comportamentais por parte dos pais adequadas à criança, para além de uma intervenção direccionada e adequada para a realidade, e de acordo com a etapa de desenvolvimento infantil, que a criança está a vivenciar. Deste modo, a intervenção tomará a forma de um triângulo onde criança, psicólogo e pais desempenham papeis diferenciados e complementares para promoverem o reequilíbrio do desenvolvimento infantil.